A carta repousava em cima da mesa já há dois dias. A coragem lhe faltava. O que ele teria escrito. Como aquelas palavras, aqueles sentimentos a afetariam?
Obvio que sentia medo. Sabia que o tinha machucado, que o tinha feito sofrer. Mas não fora de todo proposital. Também tinha sentimentos, só não podia unir os seus, aos dele.
Achou por um momento que talvez fosse melhor ler logo aquela carta e terminar com a dita tortura. Mas sabia que lê-la e tê-la em sua memória seria torturante também.
O roupão branco, de linho, refletia a luz do sol que entrava pela porta de vidro da varanda. O brilho intenso a fazia cerrar os olhos para conseguir enxergar o além. Do sofá, sentada, com os braços cruzados, se dividia entra admirar o sol e vigiar a carta.
Seu semblante era curioso e dolorido.
- Por que prolongar tudo isso? Não há motivos, vou ler logo. - E numa fração de segundos, se pôs em pé e foi até a mesa, pegar o envelope.
Já com o mesmo em mão, diminuiu a velocidade e a intensidade dos atos e sentimentos. Foi em passos lentos e pequenos até o sofá, onde sentou de pernas cruzadas e repousou o papel na própria coxa. Ficou olhando para o mesmo, como se esperasse que conseguissem fazer contato um com o outro. O que não aconteceu.
Depois de alguns segundos de reflexão retirou a carta do envelope, e de uma só vez leu tudo o que aquele papel continha, como uma criança faz, ao beber todo o remédio de uma só vez.
Leu, leu e chorou arrependida de que seus atos tivessem causado tanto estrago. Não só o estrago da dor, da decepção amorosa, mas o estrago da morte, que foi acarretada a ele.
Enxugou as lágrimas, colocou a carta dentro do envelope com cuidado. Levantou como se fosse uma obrigação, foi até a cozinha e queimou a carta. Jogou as cinzas pela varanda, enquanto olhava para o horizonte.
Foi até a gaveta da estante e percebeu que lá ainda estava a pequena caixinha azul. Pegou-a e alisou o veludo que recobria a caixa com carinho. Como se ao alisar a caixa, alisasse a ele.
Com devido carinho, abriu a caixa e então pegou o cordão que estava lá dentro. Pendurado no cordão havia um anel, que a ele pertencera e que havia sido dado a ela, por ele. Colocou o cordão e fez questão de se ver no espelho.
E então se dirigiu ao quarto. Estava amanhecendo e logo seu marido acordaria. Ele não precisava saber de nada. Ninguém precisava.
Um anel escondido no peito era o suficiente para lembrar sempre dele e de tudo que aconteceu.
E então foi dormir. Sabendo que nada, nunca mais seria como antes.
E com cada uma daquelas palavras ainda em sua cabeça.
'De repente te amava, era tudo que eu queria, porém me reprimia, omitia todos meus sentimentos por medo de não te ter.
O terror de não te ter, me fez enfrentar tudo e uma aparente incerteza aparecia em sua mente. Porém não era isso, você sabia o que fazia, como uma marionete você me manipulará, traçará meu destino, mas tão grande era o êxtase em te ter que nem ao menos percebia.
Finalmente te tive em meus braços, Você era só minha. Tão doce, tão amável, tão inofensiva: não aparentava ser o que era.
No final eu te perdi: te tive e te perdi. Era preferível que nunca a tivesse tido, do que se lembrar do seu gosto, de seu cheiro, de suas carícias em cada instante no meu ser.
E foi assim que cheguei aqui, por falta de você.'
Sua morte era culpa dela. Só dela. E a partir daquele dia, carregaria isso consigo pra sempre.
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