sexta-feira, 10 de junho de 2011

Tu me fazes falta, sabia? - Mariana Machado



O que faço eu com isto que me invade o peito e me doma a alma? Que me guia no trecho escuro em que resido desde sua chegada? Senhor da minha vida, do meu sentir, do meu desfalecimento e do meu amor.
Quantas noites não misturei minhas lágrimas a chuva, por negar-me as tuas calorosas mãos e teus seguros braços, quantas vezes não fiquei a chorar na escada da nossa convivência, que tinha cada vez mais degraus inalcançáveis. E quantas vezes não me fez duvidar do teu amor, me sentir só, vazia e incompleta.

Lembra daquele dia em que me disse que não sabia por que tanto durávamos, já que nada tínhamos de iguais? Naquele dia as tuas palavras saíram da tua boca errante e atravessaram a minha pele, estralhaçaram a minha alma e se alojaram no meu, já dolorido, coração.
Acho que comecei a amar-te mais mansamente naquele momento. Por que foi ali que comecei a não ver mais significado no que antes era tão belo.
Mas o que sempre nos uniu ainda me seduzia: O fato de conhecer seu coração adoentado e tua alma reclusa, de saber e conhecer cada pensamento em cada esquina da sua mente. Era o fato de escutar-me tão bem quando eu te socorria. Era por saber as palavras certas para te consolar, por te entender e por cuidar de ti, já que ninguém antes o havia feito. E também por que no mundo não existiria nunca uma ligação como a nossa.

Quantas vezes morri para que tu pudesse sobreviver? Quantas vezes morri para preservar intacto o que tínhamos? De nada adiantou, éramos sempre um nó cego, que continuava amarrado mesmo após a tempestade.
Eu dizia para ti que ia embora, que não voltaria e voltava. Eu prometia a mim mesma que já tinha dado tudo o que poderia dar, que me afastaria e ficava. Despedimos-nos para sempre quantas vezes mesmo? Acho que até o Universo já perdeu a conta...
Amei-te mansamente a partir dali, mas não me desgarrei de ti e isso me fez viciar na tua presença, verdade incontestável para a minha sobrevivência.

Lembra-se quando você finalmente virou totalmente de gelo? Já não tinha mais ternura alguma ao falar comigo e delegara-me o esquecimento presente ou a glória de ser apenas uma vaga memória passada. Foi se afastando aos poucos, era seco, grosseiro, às vezes até maldoso. Sumia por dias, às vezes semanas. Deixava-me tal qual um viciado em crise de abstinência. E eu lhe procurava afoita, rubra de necessidade da tua presença e afeto e recebia uma pequena esmola do que já me fora de direito.
Mas foi somente quando ficou indiferente a mim que realmente me machucou. Lágrimas incontáveis que eu já sequer conseguia controlar. Não havia mais alma e nem coração dentro de mim, só escuridão e sofrimento, abandono e vazio. Uma falta de exatidão que me consumia a pele, única coisa que me restara.

Amei-te ainda nessa época, mas amei-te nostalgicamente, amei a um homem que existira e morrera dentro de ti. Amei-te menos, com mais saudade e sofrimento do que leveza. Mas amei-te, com o amei desde o momento que teus olhos encontraram os meus (ah, os teus olhos, tão meus, tão sinceros, tão grandiosos e acolhedores, que me faziam perder a noção do tempo.) e que expôs o teu sorriso (era o que eu mais amava em ti, seu sorriso fazia meu peito pular e ficar descontrolado.). Seu cheiro entrou na minha pele no primeiro dia e de lá não saiu mais. Foi dessa forma simplória que me ganhara e foi me pondo entre a segurança carinhosa dos teus braços, bem contraída, ao teu peito quente que encontrei o meu lugar. Lugar esse do qual até hoje sinto falta.
Tantas outras passaram por teus braços, mas duvido que tenha havido um encaixe tão perfeito entre a tua asa e o teu peito num corpo, como houve comigo.
Quando foi embora, ou eu que me fui, seus olhos já não eram mais os olhos que eram tão meus, nem o sorriso que eu tanto amava, seu cheiro já havia se metamorfoseado. Quem era aquele homem para qual eu dava adeus?
Ainda me procurava, às vezes. Sempre quis achar que sentia a minha falta e que eu já estava, de certa forma, enraizada no seu ser. Mas acho que era só por hábito. Tantas situações e tanto tempo juntos que se desgarrar totalmente seria heresia.
Eu te procurava também, bem menos do que queria, mas me segurava por que já não éramos mais nós dois. Éramos manequins enfadonhos, pessoas domadas pela convivência e separadas por uma vastidão glacial tão profunda que nenhum calor poderia resolver. Éramos outros. Havíamos morrido tanto para poder sobreviver, que já não éramos nós mesmos.

A intimidade se perdera instantaneamente. Sem ter de esperar pelo gelo tudo dominar. Foi nesse tempo que parou de me procurar de vez. E eu decidi ir embora. Não soube mais de ti, nem procurei saber. Larguei ali, na escada em que dividi contigo, minha história de vida, todos os amantes que amei, os amigos que partilhávamos e até aqueles que não te suportavam, somente pelo fato de que iriam criticar cada respiração sua e eu não viveria em paz. Deixei na escada toda a nossa história junta, nosso amor conturbado e grosseiro, selvagem. Deixei todo o passado numa caixa de mudança, bem escondida, para que não a encontrasse e nem eu a violasse.
Só me lembrava de você quando, uma vez ou outra, as lagrimas das nuvens se misturavam com a chuva dos meus olhos.

E mesmo depois de tantas curvas num tempo em que nada é certo e nem definido, mesmo depois de tantas outras histórias acumuladas. Mesmo depois de morrer tantas vezes mais para te manter longe da minha nova e pacata existência. Depois de estar em outros braços seguros, outros peitos quentes, outros corpos sedentos de companhia, de sentir novas bocas ansiosas por uma paixão atemporal, mesmo depois de tudo isso, eu ainda tinha aquele pedaço de ti, que me deste a tanto tempo, cravado em mim.
Tu me fazes falta, sabia? Uma falta que nunca senti na vida.
É, sinto tua falta, meu gigante, mas acho que tudo isso pra ti já não tem mais importância.

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