quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Intimidade - Mariana Machado


Raphael segurava um papel branco, totalmente amassado por ter sido dobrado de diversas formas diferentes.
A mulher que havia entregado a carta nesse momento se retirava do local, após ter lhe dado um sutil beijo no queixo. Provavelmente eles nunca mais se veriam, e mesmo com todo seu orgulho, mesmo sem querer demonstrar, esse fato cortava seu coração ao meio.
Devagar, Raphael foi desdobrando a carta, sabia que não queria lê-la, pois se o fizesse, significaria realmente o fim absoluto.
Mas era um homem forte, acima de tudo, e isso o forçava a ir até o final.

“Talvez esteja na hora de partir. Acho que finalmente me dei conta do meu erro, talvez não fosse pra ser, Rapha. Quando nos conhecemos eu forcei tanto pra você abrir a guarda pra mim, sabe? E sei lá por que eu insisti tanto, eu só achava que devia, sentia que devia. Mas e se eu não tivesse insistido? Hoje talvez sequer te tivesse no MSN, talvez sequer tivesse te conhecido ao vivo. Talvez fosse pra ser assim e eu não deixei que fosse.
Eu sei que você vai dizer, ‘justamente agora que eu voltei? Você me fez voltar, não me deixou ir e quando eu decido estar aqui, você escolhe partir?’
Bom, é que se não fosse pra ser, então eu conseguiria entender por que você quis ir, mais de uma vez. Conseguiria compreender as tuas mudanças de humor e tudo mais que eu tanto reclamei. Nada teria sido em vão, sabe? Teríamos desafiado o destino, os rumos programados, a vida, feito nascer um amor sincero do não e ao nos conformarmos com o que realmente deveria ser, teríamos ganhado de todo o universo de forma honrosa.
Imagino você me perguntando aonde quero chegar com isso, sabe como é, durou enquanto foi bom, não que não seja ainda. Só não é mais o mesmo.
E eu te agradeço por ter me dado tanto espaço. Por que ninguém antes me deu sequer um pedaço de abertura real, e você me deu tudo. Só que eu não quero ter que ficar assistindo você ir embora, sabe? Ir e voltar quando te der na telha. E chorar rios por isso. E sofrer eternidades por isso. E ficar pra baixo por conta disso. Perder todo o meu rumo e a minha sanidade por isso.
E por favor, meu bem, não venha me procurar pra falar que quer que eu fique, que me quer por perto, contigo, como nos velhos tempos. Não dificulte ainda mais algo que já é bem mais que difícil. É a única forma. Única forma de não ser mais uma viciada em você. Até por que você não precisa de mim, nunca precisou realmente. E você não quer que eu fique, você só quer ter alguém ai contigo, que zele por ti e se entregue totalmente, como eu fiz. Você não quer a mim, quer a qualquer um que desempenhe esse papel, não interessa quem. E logo, eu aposto que alguém disposto a isso vai aparecer e você sequer vai se lembrar de mim ou sentir minha falta. Quanto mais me querer aqui.
É justamente por não querer assistir isso, por não querer ter que te ver partir, que eu estou me mandando. Se fosse por falta de amor, não estaria te escrevendo agora, não teria ficado tanto tempo, não teria implorado que voltasse.
E eu sei que vou chorar, que vou sentir sua falta, que vou querer te ver, te abraçar. Que vou cogitar em te ligar, te escrever, te implorar pra esquecer essa carta e me aceitar de volta, mas agora eu só to tentando arrumar as coisas, pra mim e pra ti. Seguir com a minha vida, por que eu não consegui até agora o que você já tem há muito tempo. Nós somos muito diferentes, temos necessidades diferentes e vivemos em mundos totalmente diferentes. Realmente não era pra ser. Mas vai entender.  Ai bem no fundo do teu peito, nós fomos tão iguais. Lacrados bem no intimo da minha alma, fomos tão idênticos. E nos colamos, nos unimos, com tanta intensidade por causa disso.
Mas você é um camaleão Rapha, você muda e muda tão rápido, que tudo se quebrou, ai dentro mesmo. Aqui dentro também. E agora eu não tenho mais nada de parecido contigo. Nada de semelhante ou idêntico. E nossa ligação está mais fraca que uma corda bamba, por causa disso, amor.
E o que eu faço agora Rapha, se quando tudo se quebrou ai, eu me quebrei também?
A única coisa que eu posso fazer é tentar ser um camaleão tão bom quanto você. E mudar, mudar de sentimentos, mudar de amigo, de amor, de sonhos, desejos. Mudar tanto que vou te esquecer, te deixar pra trás, e aceitar, de uma vez por todas, a sua ida - que já estava programada muito antes d’eu sequer cogitar a minha.”

A carta era totalmente explicativa, assim como a mulher que a havia escrito, era nisso que Raphael pensava. Ele foi até a cozinha e queimou aquela carta.
Uma carta guardada, com tantos segredos, tantos desabafos como aquela, era algo perigoso demais. Não a procuraria, já a tinha feito sofrer demais. E pra ele haviam sobrado as musicas, as lembranças e a todos aqueles textos que aquela escritora havia dedicado e que ainda dedicaria a ele. E naquela nova situação em que eles se encontravam isso era exatamente suficiente pros dois: Separados por uma vida inteira, porém, unidos por palavras que só a verdadeira intimidade sabe ler.

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